ABIMDE
Em meio a uma crise sem precedentes, política econômica e social, um programa da Marinha mostra que as melhores soluções são acessíveis em um país como o Brasil. Inspiradas no mais puro nacionalismo, no melhor sentido, em quanto os Poderes da República estão comluiados no projeto de entregar ao capital estrangeiro os bens mais preciosos da nossa terra. Em uma análise por ora infelizmente académica, a rota a seguir nas circunstâncias é a mesma já percorrida de forma descontínua pela própria nação nos períodos em que ensaiou o desenvolvimento, inspirou esperança ao seu povo e respeito aos estrangeiros.
A história mostra que, para seguir os melhores exemplos da experiência internacional bem-sucedida e dos próprios sucessos do passado, será indispensável: 1 Manter a soberania política e territorial e a incolumidade dos recursos materiais, os descobertos e aqueles por descobrir, em terra, no mar e nas bacias hidrográficas. 2. Investir na pesquisa e no desenvolvimento nacionais. 3.Proteger as conquistas científicas e tecnológicas da concorrência internacional. 4. Estabelecer estratégias inteligentes para a transferência de tecnologia. 5. Fortalecer as empresas nacionais. 6.Manter e aumentar o investimento público, entre outros encaminhamentos. Parte por determinação constitucional, parte por contingências históricas, a Marinha do Brasil concretiza em alto nível essas premissas no seu Programa de Desenvolvimento de Submarinos. É a conclusão a que se chega ao conhecer o Prosub, uma parceria com a França para a construção, no País, de quatro submarinos convencionais e um com propulsô nuclear.
Os submarinos interessam aos países por terem poder dissuasório, isto é, desestimulam o inimigo a atacar. Difíceis de detectar quando submersos, aproximam-se despercebidos do alvo e isso os torna especialmente temidos. Além disso, a ação antissubmarino é muito dispendiosa. Só o fato de se ter uma força de submarinos eficiêntes é um fator poderoso de dissuasão. Duas vezes por dia, no entanto, eles ficam vulneráveis. É quando têm de emergir, ou ao menos estender até a superfície um tubo chamado snorkel para captar oxigênio. Assim funcionam os equipamentos convencionais, com propulsão por motor elétrico alimentado a oleo diesel. Neles, o oxigênio do ar é indispensável à queima do óleo diesel, na função de comburente.
No caso dos submarinos com propulsão nuclear, o poder do equipamento aumenta substancialmente. O motor elétrico é acionado por um reator nuclear, dispensa comburente e o submarino pode operar submerso por tempo indeterminado limitado à resistência da tripulação. Nos Estados Unidos, definiu-se esse tempo em seis meses. Outra vantagem é a velocidade até seis vezes. Superior a do convencional. "Por possuírem fonte virtualmente inesgotável de energia e poderem desenvolver altas velocidades por tempo ilimitado, cobrindo rapidamente áreas geográficas considerável, os submarinos com propulsão nuclear são fatores de desbalanceamento entre forças navais antagônicas",analisam os autores dolivro Marinha do Brasil - Protegendo nossas riquezas, cuidando da nossa gente. Contar com esses equipamentos é essencial, portanto, à capacidade de defesa de patrimônios como o pré-sal. Os riscos a que estão expostos esse manancial e outros recursos são analisados pelo almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral de desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, em entrevista nesta edição.
Além do pré-sal, ao longo dos quase 7,5 mil quilômetros de extensão da costa brasileira há um imenso potrimônio de recursos minerais e de biodiversidade na chamada Amazônia Azul, com 4,5 milhôs de quilômetros quadrados no Oceano Atlântico, o equivalente a mais da metade da superficie do País. Nesses domínios foram identificados mais de 150 minerais com valor econômico inclusive ouro diamante e matéria-prima para a fabricação de chips e condutores de telecomunicação.As jazidas de carvão duplicam as reservas nacionais. A produção de 100 plataformas de petróleo corresponde a mais de 90% do total nacional. A descoberta do pré-sal catalisou investimentos também para as primeiras concessões de exploração mineral marinha. A grande biodiversidade contém potencial econômico voltado para as áreas farmacêutica e cosmética. A Marinha monitora os 1,23 milhão de hectares das unidades de conservação em recifes e manguezais, para proteger os respectivos ecossistemas.
O alto custo e o tempo necessário à construção de uma frota naval naval condizente com as necessidades de defesa da Amazônia Azul e de proteção da navegação civil só aumentam a importância específica do submarino de propulsão nuclear para o País. Dominar a tecnologia necessária ao projeto de construção desse equipamento é o objetivo do Programa Nuclear da Marinha, iniciado em 1979. O PNM visa também a "capacitação do país no domínio do ciclo do combustível nuclear e no desenvolvimento de uma planta nuclear de geração de energia elétrica, inclusive a construção de um reator nuclear responsável pela propulsão do futuro submarino nuclear brasileiro, segundo uma comparação feita por vários oficiais, tal operação equivale à situação de uma montadora que, além de fazer o projeto de um veículo, monta a estrutura para a sua produção e assegura o suprimento peças e insumos e tivesse ainda de cuidar da prospecção, exploração e refino do petróleo para obtensão do combustível. Entre os objetivos assumidos destaca-se, principalmente nestes tempos de desnacionalização acelerada e fragilização do País, o seguinte: “O Programa Nuclear da Marinha foi concebido e está sendo desenvolvido sob o compromisso de utilizar tecnologia totalmente nacional e independente".
A construção do submarino com propulsão nuclear condiz com a envergadura e o potencial do País, mostra o comparativo Países Superlativos, publicado nesta reportagem. Só três nações - Brasil, Estados Unidos e Rússia -, além de figurarem entre as dez com as maiores áreas, populações e economias do planeta, possuem urânio e dominam todas as etapas tecnológicas para o uso pacífico da energia nuclear. O comparativo não considera a perda de posição da economia brasileira desde a recessão de 2016 e 2017, considerada reversível.
A Marinha tem hoje cinco submarinos convencionais com propulsão diesel-elétrica, o mais antigo deles fabricado na Alemanha e os demais no País. O acordo de transferência de tecnologia entre Brasil e França para a fabricação do submarino nuclear, além de outros quatro convencionais, foi assinado pelos presidentes Lula e Nicolas Sarkozy em 2009, como parte da parceria iniciada no ano anterior,e integra a Estratégia Nacional de Defesa. A França foi o único país a aceitar a transferência de tecnologia especiífica que envolve só as partes não nucleares e compreende a construção de um estaleiro e uma base naval em Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
A parceria Brasil-França inclui um acordo político, técnico e comercial, outro de cooperação e um contrato principal assinado entre a Marinha e o Consórcio Baia de Sepetiba, formado pela Empresa Estatal Francesa de Projeto e Construção Naval (DCNS), construtora Odebrecht e a Itaguai Construções Navais. A última é uma sociedade de propósito específico, em que o governo federal é representado pela Marinha e possui uma ação simbólica (golden share) com poder de veto sobre eventuais decisões.
Segundo o Ministério da Defesa, o Prosub, além da importância evidente para a segurança nacional, é um dos Maiores contratos internacionais já feitos pelo Brasil e o mais amplo programa de capacitação industrial e tecnológica na história da indústria da defesa brasileira. Prevê, além da transferência de tecnologia francesa ao Pais, a nacionalização dos produtos e sistemas adquiridos em todas as fases do programa, desde a construção, no início, da fábrica de estruturas metálicas até a manutenção do submarino com propulsão nuclear.
Iniciado em 2011, o Programa de nacionalização da Prosub tem como foco, no caso dos submarinos convencionais, a independencia e autonomia dos processos de fabricação pela industria brasileira. Engloba 104 subprojetos que constituem sistemas, equipamentos ou itens que integram o pacote de material. A Marinha priorizou 64 subprojetos, levando em conta os aspectos estrategicos de conteúdo tecnologico a ser tranferido à industria nacional e as barreiras tecnologicas a serem suplantadas, entre outro pontos. Até o mês passado, foram visitadas mais de 200 empresas brasileiras convidadas a participar do programa como fornecedoras.
No caso do submarino com propulsão nuclear estão previstas a obtenção, pela Marinha, de independência e autonomia para o projeto, construção e manutenção do submarino e a nacionalização de materiais, equipamentos e sistemas, à semelhança do estabelecido para as quatro unidades convencionais. O processo de transferência de tecnologia “gera expressivo arrasto tecnológico no País”, sublinha a Marinha, que se desdobra na nacionalização de sistemas e equipamentos (no valor de, no mínimo 100 milhões de euros), na pesquisa e desenvolvimento em parceria com universidades, envolve indústrias de alta tecnologia e o campo da medicina nuclear. Propicia ainda um incentivo expressivo aos seguintes setores ligados à base industrial de defesa: eletrônica, engenharia naval, computação (softwares), mecânicas de precisão e pesada, optrônica, mecatrônica, eletromecânica, metalúrgica, química e nuclear. Merecem destaque ainda os benefícios indiretos à indústria naval brasileira e ao setor de plataformas de prospecção de petróleo off-shore nacionais.
Em Itaguaí, o complexo naval inclui uma Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas, estaleiros de construção e manutenção, uma base naval e um centro de instrução e adestramento para as tripulações dos submarinos, alem de um complexo radiológico. A Ufem, o prédio principal do estaleiro de construção, o pátio de manobra de submarinos e alguns berços de atracação dos cais principal e auxiliar estão concluídos. A unidade de fabricação e o estaleiro de construção deverão gerar 13,7 mil empregos diretos e 6,5 mil indiretos com o desenvolvimento do programa. A edificação dos prédios para ativação de baterias dos estaleiros de manutenção e para abrigar os simuladores do centro de instrução avança em ritmo acelerado. Perto de 65% das obras foram concluídas. O elevador começará a operar este ano.
Na Ufem, o capitão de mar e guerra João Ricardo Lessa, gerente do setor nuclear, aponta para a área frontal arredondada, a calota de vant, e um dos quatro submarinos convencionais em construção: “As primeiras calotas foram feitas na França. Esta foi fabricada no Brasil, com utilização de uma prensa nacional de mão de obra local”, diz. O Riachuelo deverá ser lançado ao mar em julho, o Humaitá em setembro de 2020, o Tonelero em dezembro de 2021, e o Angostura, em dezembro de 2022. O lançamento do primeiro submarino nuclear esta previsto para 2029. A previsão inicial era de 2015 para o Riachuelo e 2021 para a conclusão dos outros três convencionais e do nuclear também.
“Agora há dinheiro, mas houve um período vegetativo que ficamos sem recurso, entre 1999 e 2007. Antes disso entre 1990 e 1992, e nos anos 1980, faltou dinheiro também, mas foram períodos pequenos. Em 2015 e 2016 houve novo corte. Dos 250 milhões de reais previstos, chegaram a 100 milhões”, relata o contra-almirante Andre Luis Ferreira Marques, diretor de Desenvolvimento Nuclear da Marinha, que funciona no campus da USP e no Complexo de Aramar, em Iperó, no interior paulista:
As duvidas de muitos quanto à capacidade cientifica, tecnológica e empresarial do País revelam-se sem fundamento diante dos avanços do programa da Marinha, mostram tanto a transferência de tecnologia exemplificada por Lessa quanto este relato de Ferreira Marques: “Quando estiveram aqui, em 2008, no momento em que o Prosub começou a se delinear, os franceses disseram que estávamos no caminho certo. A reação deles diante do avanço brasileiro foi de respeito. Perceberam que estavam diante de uma equipe um projeto diferenciado e se dispuseram a colaborar. Nós pensamos que, se não colaborassem, o tempo e o custo seriam outros, mas nós mesmos faríamos, não havia a menor duvida quanto a isto”. Na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra houve a vantagem tecnológica de o submarino de propulsão nuclear derivar de amplo programa de investimento de armamento. Aqui, ao contrario, foi preciso construir tudo a partir do zero e exclusivamente para a produção deste equipamento. A planta nuclear é, portanto, um projeto inteiramente da Marinha do Brasil e inclui de condensadores a geradores de vapor, bombas de resfriamento, pressurizadores, estruturas mecânicas do elemento combustível, elementos combustíveis de urânio e até mesmo o vaso do reator nuclear, alem dos sensores de fluxo neutrônico e sistemas de controle de potencia.
O programa nacional acumula avanços. No ano passado, o Brasil, que antes só vendia o minério bruto, começou a exportar urânio enriquecido para a Argentina, através das Indústrias Nucleares Brasileiras e com tecnologia da Marinha Brasileira. Isso só é possível explica Ferreira Marques, porque se fez uma parceria envolvendo inovações entre os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Defesa. “essa exportação o patamar do país. Não somos só reservatório de minério, temos competência, inclusive, para vender combustível nuclear no exterior. Isso é interessante porque da o recado a participantes desse mercado. Os chineses, por exemplo, tem assediado vários países da America do Sul para lhes fornecer combustível nuclear. Nós dizemos: não precisa trazer da China, o nosso país faz”, sublinha o oficial.
O Programa Nuclear da Marinha tem investimentos programados de 2,2 bilhões de reais entre este ano e 2021, e compreende, alem do desenvolvimento de sistemas de propulsão nuclear, um conjunto de laboratórios e meios para a realização de testes nos setores nuclear, mecânico e químico, entre outros. São cerca de 2 mil engenheiros e técnicos (70% civis), entre eles 266 mestres e 69 doutores que operam em 25 laboratórios, na sede no campus da USP, na capital paulista e no Complexo de Aramar, em Iperó. Os parceiros são as maiores universidades do país e institutos de tecnologias, entre outros.
As conexões do Programa Nuclear da Marinha, com o Prosub envolvem a produção de combustível nuclear e de sistema de propulsão. As ligações com o Programa Nuclear Brasileiro inclui as Indústrias Nucleares do Brasil, no que se refere às cascatas (ultracentrífugas em serie) para a separação de isótopos, necessária ao enriquecimento do urânio; o Relator Multipropósito Brasileiro, para enriquecimento do urânio a 19,9% - utilizado na produção de radiofármacos – e a Eletronuclear, para testes de equipamentos e caracterização de materiais.
No Complexo de Aramar destacam-se, entre outras instalações, a unidade de produção de hexafluoreto de urânio, metade do funcionamento e o restante com previsão de termino de montagem em dezembro deste ano, e o Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene), onde se constrói o protótipo em terra do sistema de propulsão naval nuclear. “Até 2007, o Prosub era tocado basicamente pela Marinha. Quando o presidente Lula, no dia 13 de julho daquele ano, visitou Aramar, viu o que se fazia aqui e concluiu que não estávamos longe dos objetivos. Programou recursos saímos uma dotação de 70 milhões de reais por ano para 300 milhões. Assim o Prosub floresceu e arrastou o Programa Nuclear da Marinha, e este só existe por causa daquele”, chama atenção o contra-almirante.
A diversidade produtiva e de verificações exigidas pelo PNM gera o chamado arraste tecnológico, que consiste em benefícios para empresas e a sociedade. Esses “subprodutos”, digamos, incluem a realização de testes de itens de seguranças para a Eletronuclear e o fornecimento de sistemas de separação isotópica para as Indústrias Nucleares Brasileiras. Outro exemplo é a utilização, na usina de Três Gargantas, na China, de peças usinadas no complexo metalúrgico da Marinha em Itaguaí, a pedido de empresas brasileiras que participaram da obra. Turbinas a vapor para cogeração de biomassa, fabricadas pela Siemens de Jundiaí para a Colômbia, foram testadas em Aramar, com os mesmos equipamentos usados para verificar o funcionamento daquelas próprias para uso nos submarinos (a alternativa da empresa era enviá-la à matriz, na Alemanha). Ha alguns meses, os engenheiros que projetaram instalações em Aramar, que, por exigência da Comissão Nacional de Energia Nuclear, são preparadas para terremotos, ajudaram a refazer o projeto da estação cientifica do governo federal no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, em Pernambuco, situado em área sujeita a abalos sísmicos.
O Reator Multipropósito Brasileiro permitirá aumentar a capacidade de produção de radiofármacos, utilizados pela medicina nuclear para diagnostico ou terapia, hoje fabricados principalmente pelo Ipen-USP, de 1957. O aparato da Marinha em Aramar é utilizado também para testar sensores inerciais de plataformas de petróleo vendidos propositalmente com defeito pelos fabricantes para impedir desvios de finalidade, a exemplo da sua utilização na construção de mísseis, explica Ferreira Marques. Sensores com defeito usados nas plataformas funcionam em condições normais, mas perdem à confiabilidade em situações climáticas extremas. Técnicos da Petrobras acompanham as verificações e correções desses dispositivos em Aramar e recebem garantia e manual, como costuma acontecer na aquisição de um equipamento novo. “E depois o pessoal acha que a gente não precisa desenvolver tecnologia própria. Tem de ter, tem der ter. Tecnologia própria e independência e nosso lema”, sublinha Ferreira Marques. A frase, estampadas nas paredes do complexo, foi cunhada pelo almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear e considerado o pai do Programa Nuclear Brasileiro. Preso na Operação Lava Jato, e condenado a 43 anos de reclusão, o almirante esta em liberdade desde a quarta-feira 11, no momento em que esta reportagem foi entregue para a impressão. “Todo que tem em Aramar foi rascunhado pelo almirante Othon, até 1994. É inegável e é meritório”, diz Ferreira Marques.
A independência do Programa Nuclear da Marinha é posta à prova com frequência por vetos do governo dos Estados Unidos. Apesar do contrato assinado em 2007 com a Toho Tenax, uma das maiores fabricantes mundiais de fibra de carbono, o Departamento de Comercio estadunidense vetou a exportação, com argumento de que poderia “ ser prejudicial à segurança dos Estados Unidos”. Em caso mais recente, a Marinha fez licitação para a fabricação de uma liga especial de prata, índio e cádmio, que serve para controlar a fissão nos reatores nucleares. O contrato não chegou ser assinado, entretanto, porque a vencedora não foi comprada por uma empresa dos EUA e o dono impediu a venda.
O PNM enfrenta restrições também em outros países. França e Alemanha, além dos EUA, não quiseram vender um forno para calcinação de trióxido de urânio, destinado à produção de concentrado puro de urânio. Apesar de o Brasil ser signatário dos tratados de uso pacífico de energia atômica, isso não garantiu o acesso ao equipamento produzido no exterior. A resposta da Marinha a essas situações é produzir os itens com fornecimento bloqueado no exterior. A qualidade não é a mesma no inicio, mas a experiência acumulada em sucessivas substituições de importações interditadas costuma dar bons resultados. “no fim de agosto, nós fizemos com o IPEN o primeiro combustível metálico, que permite concentrar mais energia em menos volume. Não é qualquer país que faz isso”, chama atenção Ferreira Marques. Quanto mais o Brasil e suas empresas confiam e investe no desenvolvimento próprio, maior o respeito no exterior e mais amplas as possibilidades de parcerias de igual para igual, em âmbito local e com os grupos estrangeiros também, mostra o exemplo a seguir. A Marinha tentou comprar da francesa Jeumont Eletrics um motor de propulsão para o protótipo de submarino, mas a empresa não quis conversa. Quando soube, entretanto, que havia conversas para encomendar o equipamento à WEG, sua concorrente brasileira respeitada mundialmente, a Jeumont imediatamente se disse interessada no negocio.
Em resposta ao suposto pagamento de propina a militares relacionados ao Prosub, noticiado em 18 de abril, a Marinha reiterou a esta revista desconhecer qualquer irregularidade envolvendo o Programa, bem como o “Almirante Braga”, misteriosa personagem de pura criação ficcional, citado nas reportagens. Segundo o setor de imprensa, “o Tribunal de Contas da União acompanha todo o desenvolvimento do Prosub desde seu inicio, a pedido da Marinha do Brasil, por meio da realização de auditorias, e todas as orientações daquela Corte foram compridas. O plenário da TCU já emitiu e aprovou nove acordos, desde o inicio do Programa”. Ainda sobre esse assunto, diz a nota do setor de imprensa: “Em reportagem veiculada no Jornal Nacional no mesmo dia 18, os executivos da Construtora Norberto Odebrecht Benedicto Júnior e Luiz Eduardo Soares delataram um esquema de um suposto desvio na construção do submarino nuclear brasileiro para pagamento de propina, mais negaram a participação de qualquer integrante da Marinha do Brasil. Destaca-se que a reportagem cita um suposto “Almirante Braga”, mas o referido oficial não existe nem na ativa nem na reserva da Marinha do Brasil”
Percalços e contratempos à parte o Prosub e o Programa Nuclear da Marinha poderiam muito bem inspirar uma retomada do dinamismo e do vigor vistos em outros momentos no País. A frase “quem decide o destino do Brasil são os brasileiros”, pronunciada por alguns oficiais do Rio de Janeiro e de São Paulo, parece ser, ao mesmo tempo, o principio, o guia de ação e o objetivo da ação de amplo escopo aqui documentada.
Há cerca de 40 anos, a Marinha do Brasil iniciou o seu programa nuclear, que se confunde com o do País. Não havia alternativa, pois as potências mundiais detentoras dessa tecnologia estratégica jamais a transfeririam para outras nações. A decisão não poderia ser mais acertada. O primeiro submarino de propulsão nuclear brasileiro, com projeto básico concluído neste ano e lançamento ao mar previsto para o fim da próxima década, será o meio mais eficaz para defender o polígono do pré-sal e outras riquezas da Amazônia Azul, esclarece o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha. Na entrevista a seguir, ele detalha os riscos a que estão sujeitos aqueles recursos naturais fundamentais à soberania.
Carta Capital: Como surgiu o Programa de Desenvolvimento de Submarinos?
Bento Costa Lima Leite: A Marinha desenvolve, desde o fim da década de 1970, o seu programa, que visa exclusivamente chegar à propulsão nuclear naval. Entre 2007 e 2008, o Brasil tinha uma presença marcante no contexto internacional e alguns países tentaram uma aproximação, eu diria, até estratégica, o que levou ao acordo entre Brasil e França, com transferência de tecnologia. As condições econômicas do País também permitiam iniciar um programa dessa magnitude.
CC: O que o Prosub inclui?
BCLL: A transferência de tecnologia para o estaleiro de construção e manutenção, um complexo radiológico, a construção de quatro submarinos convencionais e do submarino brasileiro de propulsão nuclear. A propulsão nuclear e a parte de sistemas e equipamentos não estão incluídas na transferência de tecnologia, isso cabe única e exclusivamente ao Brasil. Daí termos iniciado há praticamente 40 anos o nosso programa nuclear, pois sabíamos que jamais se transferiria ao Brasil essa tecnologia, muito menos o seu desenvolvimento. É importante ter isso em mente. O índice de 95% de nacionalização mostra que a transferência de tecnologia foi extremamente exitosa. Transferência de tecnologia não é como se fosse um pacote, pois é indispensável ter capacidade de absorvê-la. Essa capacidade resulta da experiência passada de construção de submarinos e da existência de vários centros tecnológicos e de profissionais de excelência no Brasil, no ramo de engenharia. No que diz respeito ao submarino de propulsão nuclear, nós não tínhamos a capacitação em projetos. O último navio que projetamos e construímos foi a corveta Barroso, que levou 14 anos desde o projeto concluído até o Produto final, entre 1994 e 2008. Um tempo excessivo, pois, quando o navio fica pronto, já tem de sofrer outra modernização, para ficar no estado da arte. Em janeiro, concluímos o projeto básico do submarino de propulsão nuclear. O Riachuelo, primeiro submarino convencional do programa, será lançado até o fim do ano que vem.
CC: Na parte de energia nuclear, o que a Marinha precisou fazer para chegar ao Prosub?
BCLL: O Brasil comprou projetos prontos para as usinas nucleares, um americano e outro alemão, e fez Angra I e Angra II. Em termos de desenvolvimento, praticamente nada foi feito. A Marinha, para chegar propulsão nuclear, teve de desenvolver, em primeiro lugar, o ciclo completo do combustível - desde o minério até o enriquecimento do urânio e a transformação deste em pastilhas para propulsão -, entre 1979 e 1988. Para a propulsão propriamente dita, tivemos ainda de desenvolver reatores nucleares de potência. A Marinha liderou o processo, em parceria com a USP e o Instituto de Pesquisas Energéticas, entre outros.
CC: O programa corre o risco de interrupção no contexto atual de fortes restrições orçamentárias?
BCLL: Não vejo esse risco. O Brasil é um dos dez maiores países do mundo em território, população e economia, e pode até descontinuar o programa e depois retomá-lo. Mas o custo disso para a sociedade seria muito grande, em razão da sua complexidade.
CC: Como a construção de submarinos se insere num projeto de País?
BCLL: Há várias inserções, inclusive naquilo que proporciona em termos de desenvolvimento relacionado a arrasto tecnológico e fomento industrial. O ponto primordial, entretanto, é de que o programa de submarinos é essencial à defesa dos interesses do Brasil no mar, que são muito amplos, a começar pela zona econômica exclusiva de 4,5 milhões de quilômetros quadrados. Na verdade, ele transcende essa área, pois perto de 95% do comércio brasileiro com o mundo é feito por mar, com Ásia, Europa, Estados Unidos e América do Sul. O submarino é uma arma por si só de dissuasão. E o submarino de propulsão nuclear proporciona ao poder naval uma dimensão ampla, de estar presente em qualquer lugar que se faça necessário. Isso garante ao País um poder de dissuasão muito grande naquilo que conflite com seus interesses.
CC: Alguns especialistas alertam que o Brasil, com o présal e demais recursos no oceano, está na interface de embate dos principais blocos geopolíticos, o estadunidense-europeu e o russo-chinês. Faz sentido identificar aí a grande importância de se manter a incolumidade dos domínios marítimos brasileiros?
BCLL: Faz todo sentido. Considere-se ainda que 10% da carga mundial passa por portos brasileiros, um dado estatístico incontestável. A carga embarcada aqui ou que passa pelo País transita em todos os mares do mundo. O Brasil - não falo agora de submarinos - deve ter condições de preservar seus interesses e suas rotas comerciais, independentemente dos blocos geopolíticos. As condições para isso incluem, entretanto, programas da magnitude do Prosub, entre outros previstos na Estratégia Nacional de Defesa, a exemplo daquele de desenvolvimento de navios de superfície, também de grande complexidade tecnológica. A propósito, um país como o nosso não pode deixar de preservar sua independência por meio da tecnologia e do desenvolvimento que vêm agregados a isso.
CC: O senso comum diz que o Brasil é um país pacífico, nunca atacará nem será atacado. Isso dificulta a conscientização da sociedade sobre a necessidade de o País estar preparado para se defender?
BCLL: Sem dúvida. Poucos se dão conta de que o País participou das duas guerras mundiais e é muito reconhecido no exterior por conta da sua atuação. Na Segunda Guerra Mundial, nossa Marinha foi encarregada da proteção de todos os comboios até o Caribe, e a partir dali os Estados Unidos assumiam a escolta da frota comercial da Europa e de outras regiões. Algumas singularidades chamam atenção. Poucos países estabelecem na Constituição que se abrirá mão do armamento nuclear e a Marinha Brasileira é a única do mundo com um programa nuclear sob a salvaguarda da Agência Internacional de Energia Atômica e da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares. A definição constitucional talvez contribua para aquela crença de que não seremos ameaçados, mas algumas décadas atrás a Guerra das Malvinas, aqui no Atlântico Sul, mostrou que, quando interesses são contrariados, principalmente aquelas nações que têm Forças Armadas expressivas, não deixam passar em branco. Mas o Brasil tem amadurecido nesse aspecto, como mostra o estabelecimento, em 2008, da Estratégia Nacional de Defesa, com a participação do meio acadêmico, de intelectuais e representantes das Forças Armadas, exaustivamente discutida e referendada pelo Congresso Nacional. O próprio Prosub não foi alvo de objeções relevantes no Parlamento. Nós precisamos ter capacidade de manter a segurança sobre tudo aquilo que diz respeito aos nossos interesses.
CC: Quais são as ameaças mais prováveis ao País?
BCLL: A guerra cibernética e o terrorismo internacional. O Brasil é hoje o maior produtor de petróleo da América Latina. Superamos a Venezuela e o México, com o pré-sal. Imagine um atentado a esse patrimônio do País, que fica de 150 a 200 quilômetros da costa, se não houver capacidade de defendê-lo. Pensemos no que isso poderia causar à economia brasileira e para as nações que importam o nosso petróleo. Uma das maiores preocupações em relação aos navios de guerra é hoje a guerra cibernética, pois um vírus pode comprometer toda a capacidade de combate. Por outro lado, ameaças de blocos, mesmo de países, felizmente não temos no momento. Mas nada diz ou significa que não ocorram no futuro.
CC: Por quê?
BCLL: Porque o Brasil tem água, biomassa, minérios, e é um dos celeiros do mundo ao lado de Estados Unidos, Austrália e Argentina. Pode haver algum conflito de interesses e sermos instados a defendê-los. Alguns países têm grande extensão territorial, à semelhança do Brasil, mas não contam com recursos naturais em abundancia. Isso por si só pode gerar algum tipo de interferência econômica na exploração dos nossos recursos. É uma ameaça intangível que a sociedade nem sempre consegue visualizar. Estamos um pouco afastados do eixo mundial e isso dificulta a percepção de que fazemos parte desse contexto também.
CC: O País sofre uma onda de desnacionalização, inclusive de campos de petróleo. Não seria uma interferência econômica prejudicial ao patrimônio do pré-sal, da Amazônia Azul?
BCLL: Eu não vou entrar nesse aspecto econômico de desnacionalização ou não. O ponto mais importante não é se é meu ou se é seu, mas, se está aqui, eu tenho de ter condições de defendê-lo e protegê-lo. E, hoje em dia, o País não tem condições - se não dispõe de um poder naval capaz - de defender o pré-sal, caso ele fique sob ameaça. O Brasil precisa ter meios e competência para defendê-lo e mostrar a quem quer que seja que temos essas condições.
CC: Qual é o papel da Odebrecht no programa?
BCLL: Eu diria que a Odebrecht é uma das grandes responsáveis pelo êxito do programa até agora. Todas as obras civis foram feitas por essa empresa, utilizando, evidentemente, a técnica passada pelos franceses do arranjo do estaleiro e da base dedicados à construção de navios de guerra, principalmente de submarinos. A Odebrecht foi escolhida pelos próprios franceses para ser parceira deles.
CC: Qual o papel do almirante Othon no Programa Nuclear da Marinha?
BCLL: O almirante Othon deixou o serviço ativo da Marinha em 1994 e hoje está reformado. Ou seja, está fora da Marinha há 23 anos. Entre 1978 e 1994, foi ele, entretanto, quem conduziu o Programa Nuclear da Marinha. Em 1988, dominamos o ciclo completo do combustível nuclear. Sem dúvida, ele teve um papel muito importante nessa conquista tecnológica para o País. Recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, a maior condecoração do País na área de ciência e tecnologia, em reconhecimento por tudo que ele fez no desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro.
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